Corria o século I a.C. Roma vivia um conturbado cenário político, com a disputa entre dois cônsules: Pompeu, aliado do Senado Romano (máxima instituição da República Romana) e Júlio César (Júlio, o amigo do povo), proveniente da plebe, de vertiginosa carreira militar que pretendia aumentar o seu poder e tornar-se Imperator, dissolvendo o Senado. Quando o órgão legislativo romano tentou impedir o avanço de Júlio César e suas tropas, o militar desafiou a autoridade senatorial dizendo “A sorte está lançada” (Alea jacta est) e avançando sobre as regiões controladas por Pompeu.

Na noite de ontem, na sede da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), no Paraguai, a sorte foi lançada para 46 césares, que disputam a coroa que será bravamente defendida pelo Atlético Nacional de Medellín. Se a situação política romana que serviu como base desta reportagem era instável, o mesmo pode-se dizer do máximo órgão futebolístico sul-americano, imerso em acusações de corrupção que já derrubaram três presidentes e prometem causar novas guilhotinas.

A peleja pelo título de cônsul das Américas será longa, começando no dia 23 de janeiro e percorrendo todo 2017 até a grande decisão, que ocorrerá no dia 29 de novembro. Trata-se de algo inédito pelo hemisfério sul, que até o presente ano disputava seus torneios em formato semestral.

A defesa da coroa que será feita pelo Atlético Nacional de Medellín pode ser complicada já desde o começo. Além do tradicional Estudiantes de La Plata, que já conhece as glórias da competição, o time colombiano poderá ter pela frente o Botafogo do Rio de Janeiro, o time da estrela cada vez mais solitária, que certamente criará dificuldades para os atuais campeões. Caso o time carioca não consiga avançar, o Rei de Copas paraguaio, Olímpia, poderá ser outro forte adversário para os verdolagas colombianos. Virtual último classificado no grupo, o Barcelona de Guayaquil não tem futebol nem altitude que possa colocá-lo em condições de passar pela fase de grupos.

Time de tantas glórias continentais, o vice campeão brasileiro Santos pretende ser forte adversário para os colombianos. O time de Vila Belmiro não deveria ter grandes dificuldades para passar pela fase de grupos, tendo no Independiente Santa Fé seu maior adversário pela primeira colocação. O Sporting Cristal deve se dissolver igual açúcar diante de brasileiros e colombianos. A possibilidade de emoção fica por conta da possível presença do The Strongest nesse grupo, não pela qualidade futebolística, que é limitada, mas pela altitude que dá aos bolivianos algumas vantagens físicas e resultados improváveis atuando como locais. Caso a equipe da cordilheira não se classifique, a vaga deve ficar nas mãos de algum dos dois times pequenos do Uruguai: Cerro e Wanderers prometem muita garra charrua, esforço, sacrifício e uma bolinha do tamanho dos seus acanhados estádios. Para seus adversários, seria altamente vantajoso que algum desses times passasse para a fase de grupos, pois não serão jogos complicados fora de casa nem pela questão logística (voos fáceis para o Uruguai tanto de São Paulo quanto da Colômbia) e pouca pressão dos torcedores quando jogarem em casa.

O último classificado pela Argentina, que já definiu o campeonato contra o próprio Atlético Nacional, pode ter vida tranquila nos primeiros seis jogos. Apenas o Independiente Medellín, grande adversário dos atuais campeões, apresenta-se como dificuldade. Emelec, limitado tecnicamente e jogando no nível do mar e Melgar, não parecem ser grandes pedreiras para argentinos e colombianos, apesar do time peruano contar com um estádio localizado a 2300 metros de altitude (na cidade de Arequipa) que certamente será um empecilho para os favoritos.

O San Lorenzo, que conheceu os louros da vitória em 2014, precisará e muito da fé do seu mais famoso torcedor (Papa Francisco) para repetir a façanha. Além do Flamengo, terceiro colocado no Campeonato Brasileiro de 2016, que volta à competição após três anos com fome e cheiro de título, o time argentino precisará enfrentar a Universidad Católica do Chile, de imensa rivalidade com os Hermanos argentinos, e pode vir a ter mais um brasileiro pela frente, já que o Atlético Paranaense tem grandes chances de passar pela fase prévia e garantir sua vaga na fase de grupos. Para todos os times, apesar do alto nível técnico de todas as equipes do grupo, viagens curtas e com logísticas razoavelmente tranquilas podem ser consideradas pontos positivos.

Com muita história e um presente que mata o torcedor de aflição e saudades, o Peñarol precisará reverter seguidas campanhas internacionais vergonhosas, num grupo que se apresenta equilibrado. Apesar de ser cabeça de chave, o time uruguaio não é nem de perto favorito, precisando superar times como o Palmeiras, que precisará adaptar-se à nova direção técnica do Eduardo Baptista e à falta da sua grande referência de ataque, Gabriel Jesus, mas que conta com um estádio no qual o time se fortalece e a base da equipe campeã brasileira de 2016. O Jorge Wilsterman jogará com a altitude de 2600 metros como grande aliado, porém, conta com um elenco fraco que deverá perder todos os jogos fora de casa. Das fases prévias, possivelmente o Junior de Barranquilla venha para disputar com o Peñarol o 2º lugar do grupo. Para brasileiros e uruguaios, tirando os confrontos entre si, viagens longas e desgastantes prometem ser mais um empecilho neste torneio continental.

Atlético Mineiro promete reeditar a campanha do galo forte e vingador de 2013. Com novo treinador e ainda montando seu elenco, é grande favorito no grupo que o tem como cabeça de chave. Libertad do Paraguai tinha no seu mais famoso torcedor (Nicolás Leoz, ex presidente da CONMEBOL , afastado após acusações de desvios e fraudes) sua maior força. Dentro de campo, tem time para lutar pela 2ª colocação com o Godoy Cruz, time de Mendoza (1050 km a oeste da capital Buenos Aires), que perdeu o seu treinador e aposta no iniciante Lucas Bernardi (finalista com o Newell´s contra o próprio Atlético Mineiro em 2013) para melhorar as pífias campanhas de 2012 e 2013. Fechando o grupo, o folclórico Sport Boys Warnes, famoso por ter contratado o presidente boliviano Evo Morales, terá no seu minúsculo estádio Samuel Vaca Jiménez (com capacidade para 6 mil pessoas), localizado na ainda menor cidade de Warnes (23 mil habitantes, nível do mar) a oportunidade de participar pela primeira vez de uma competição deste nível, sendo fortíssimo candidato a segurar a lanterna do grupo.

Num grupo que reúne times com passado e outros com presente, Nacional do Uruguai apresenta-se como favorito. Atual campeão uruguaio, o time promete manter a base que o colocou entre os oito melhores da edição de 2016, quando ficou a um pênalti da semifinal. A condição de favorito do time tricolor de Montevideo depende muito de como conseguirá ser remontado o elenco da Chapeconese. Menos de um mês depois da tragédia que vitimou quase todo o elenco campeão da Sul Americana, o time catarinense contratou o experiente e inconstante Vagner Mancini e tenta construir um novo time, baseado num projeto estável e na projeção internacional alcançada após o acidente. Dependendo dos jogadores contratados, o time de Chapecó pode vir forte nesta competição, e terá na Arena Condá seu super trunfo. Lanús da Argentina vem credenciado como último campeão nacional (lembrando que o campeonato argentino deste ano ainda está em disputa), e um futebol que tem empolgado os torcedores do município que nomeia o time. Seu estádio para pouco menos de 48 mil torcedores promete estar sempre lotado e empurrando a equipe granate rumo ao mata-mata. O Zulia Futbol Club, atual vice-campeão venezuelano, tentará fugir da quase inevitável lanterna, embora as chances disso sejam bastante limitadas.

A imortalidade tricolor promete ser desafiada no último grupo desta 1ª fase da Libertadores 2017. O Grêmio parte como grande favorito diante do Deportes Iquique, Zamora e Guarani. O atual campeão da Copa do Brasil promete um time forte, e não deverá encontrar dificuldades para se classificar. Deportes Iquique do Chile, fundado apenas no final da década de 70 e com um acanhado estádio para 12 mil torcedores, disputará o 2º lugar com o atual campeão venezuelano, Zamora e o Guarani do Paraguai, cujas cores remetem ao Peñarol, e repete a cada ano la garantia soy yo, e invariavelmente é eliminado nas fases iniciais das competições sul americanas.

A sorte está lançada. 47 times estarão lutando como bravos gladiadores nas arenas sul americanas. Quem será que chegará em novembro com seus soldados marchando pelas ruas e dizendo “Veni, vidi, vici” (Vim, vi e venci”)? Façam as suas apostas!

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